Os poetas também se comem

li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?

Os jornais estão cheios de notícias sobre a morte do Poeta Herberto. Eu até nem costumo ler poesias (sou mais de ler ementas e as críticas no Trip Advisor), mas deste até tinha comprado, no ano passado, dez exemplares de um livro muito jeitoso, que o senhor Adérito, daquela livraria na Baixa, me reservou. E, lembrei-me agora, também houve um namorado que me ofereceu, num Natal qualquer, outro livro, chamado A faca não corta o fogo, porque pensava que era sobre culinária.
Pois é desse livro que retirei os versinhos que acompanham esta minha homenagem. São palavras sobre os gregos, a morte e a paixão – e sobre comidinha, claro.

(…)
¿ e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega,
pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia,
ponham muito alto a música e que eu dance,

fluido, infindável,
apanhado por toda a luz antiga e moderna,
os cegos, os temperados, ah não, que ao menos me encontrasse a paixão e eu me perdesse nela,
a paixão grega

(Natálya Pymenta, no blogue Livre de Reclamações, em 25 de março de 2015 – dois dias depois da morte do poeta Herberto Helder).

2 replies to “Os poetas também se comem

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

close-alt close collapse comment ellipsis expand gallery heart lock menu next pinned previous reply search share star